A Natação e o desafio de se vencer

A natação é uma das modalidades do triathlon que mais assusta aos atletas. Muitas vezes é a barreira a ser vencida, porque o mar assusta, ele impõe medo e respeito, gera pânico e insegurança. Migrar da piscina para o mar, não é uma missão fácil, porque na piscina sabemos que a borda vai chegar e que você pode parar, descansar e tomar fôlego para prosseguir. Mas no mar, não é bem por aí. Você até pode parar por alguns segundos, mas não há referencial físico, seu pé não tem onde encostar, nem tampouco a mão, ainda mais se você estiver longe dos staffs de mar.  No ciclismo e na corrida, você se cansou, sentiu algo estranho, imediatamente você para, e isso não é tão simples no mar.
            No mar a sensação também é de muita solidão; é você, seus pensamentos e algo como o infinito. Sim... Toda vez que estamos mirando para o mar, a sensação é que jamais chegaremos ao seu final. É aquela linha do horizonte que foge completamente do nosso olhar. Isso o transforma em algo gigantesco, que bate de frente com a sensação que muitas vezes insistimos em carregar dentro de nós, eu não vou ter fôlego para chegar ao final.
            Por outro lado, a natação é a mais técnica das modalidades, na minha humilde opinião. Acredito sim que é muito mais fácil pedalar e correr do que nadar. A técnica envolve um conhecimento do movimento corporal enquanto desliza sobre a água que não é tão natural quanto correr, por exemplo. Apesar de ser a 1a modalidade que praticamos na vida, ainda durante o desenvolvimento embrionário no período da gestação; pois é, essa é uma informação relevante. Passamos 9 meses mergulhados no líquido amniótico, isto é, nossos primeiros movimentos são na água; o corpo ainda micro, no início do seu desenvolvimento, se mexe o tempo todo num ambiente líquido.  Somente depois é que vamos ter contato com o ar e o sólido.  Nosso contato com a água deveria ser mais natural, e ao final nem o é, não para a grande maioria.
            Muitas vezes ainda quando criança, bem pequenos, começamos na natação. Mas nem toda criança se identifica com essa modalidade. Vai de cada um. Minha experiência com a natação na infância e adolescência foi uma mistura intensa. Ainda muito pequena, me lembro de um professor que tinha muito pouca didática, eu diria também nenhuma paciência. Neste momento fui traumatizada num episódio que envolvia meu irmão que não queria entrar na piscina de jeito algum, porque tinha medo. E o professor insistiu duramente. Olho para trás e percebo exatamente quando começamos a acumular traumas. Eu chorava e achava que meu irmão ia se afogar, gritava para ele tentando convencê-lo de que não podia fazer aquilo de jeito algum. Foi um desastre completo. Um tempo depois, minha mãe num trabalho de paciência nos convenceu que aprender a nadar era importante e que não ter medo da água era essencial para sermos felizes. Aí vem o diferencial profissional. Um segundo professor fez a história completamente diferente e por ele passamos a cultivar carinho e respeito; ele era nosso referencial de segurança. E mais, nos motivava com desafios. E foi uma guinada, isto é, já não queríamos mais sair da água. Os três irmãos, em pleno dia de piscina fechada e limpeza, íamos ajudar a escovar os azulejos com mais alguns amigos, porque a água era uma das nossas melhores parceiras de diversão. O resumo desta história é que o professor tem um papel essencial naqueles momentos primordiais que precisamos ser corretamente estimulados para nos desenvolvermos; isso em todos os campos. Mas por trás desta relação aluno-professor, a família é ainda mais importante. Olho para a borda da piscina e encontro quem sempre esteve ao meu lado, minha maior segurança desde sempre, minha mãe. Com sensibilidade tentava entender nossas paixões, onde podia exigir sem traumatizar, extrair nosso melhor, nos mostrar que a vida é sim feita de sucessos, mas para atingi-los, teríamos que aprender a lidar com os fracassos.  
            Os anos passaram e o mar nunca foi um problema. É muito curioso, porque também crescemos muito próximos do mar. Nunca fui medrosa e sempre tive coragem de encarar qualquer coisa. No mar, só boas lembranças da infância e adolescência. Paixão por praia, mas dificuldades para curtir, porque a pele branca e sensível demais acabava acumulando queimaduras que incomodavam. Mas nunca foi um empecilho. Nunca tive medo de ondas nem do mar; adorava passear no fundo remando um caiaque; pegar peixinho com prancha de bodyboard; e nadar, até chegar a ajudar alguém que precisava. Pois é, um certo resgate de um garotinho num dia de mar mais agitado que não conseguia voltar e eu o trouxe de volta para a areia.
            Olho para trás em busca de explicações para entender porque o medo e o pânico no mar se instalaram; definitivamente não havia um motivo real. Acredito que durante nossa vida adulta vamos acumulando inseguranças e traumas diversos, e assim vamos diminuindo nossa capacidade de acreditar que somos capazes; muitas vezes transformamos nossas coragens em sentimentos negativos de inferioridade. Talvez por perder em tantos campos da vida, nós passamos a acreditar muito mais nas nossas fraquezas que nas fortalezas. Ou simplesmente, a vida nos permitiu viver o medo e o pânico para nos dar lições de humildade e mostrar que precisamos cultivar a força diária para nos superar. Na maioria das vezes não vamos encontrar explicação para o que nos acontece.
            A mistura de medo, pânico, insegurança e sensação de que não tinha fôlego para chegar ao final me fez olhar para a natação de forma diferente. Tinha duas opções, vencer tudo isso ou desistir do triathlon. Nos últimos anos a vida me obrigou a desistir de algumas coisas  que já não podia mais lutar, mas dessa não queria deixar escapar pelos meus dedos novamente. Precisava dele para reencontrar o caminho, para descobrir que podia ser muito mais forte do que imaginava. Ou simplesmente, precisava dele para me manter viva. Neste momento li no instagram de uma triatleta que muito me inspira e motiva, na natação é preciso muita paciência; uma hora, quando você menos esperar, vai começar a melhorar e evoluir. Calma.... E assim mergulhei de cabeça. Assisti ontem um filme no Netflix que super recomendo, The Barkley Marathon. Num dos trechos o idealizador desta prova disse que cientistas/pesquisadores ou mesmo alunos de pós-graduação são pessoas que se aventuram por provas muito duras com certo sucesso, porque eles também tem características de perseguir a perfeição e aprenderam na pele a lidar com o fracasso frequente numa profissão que exige resiliência diária. Bem por aí... Como gosto de dizer, 70% das minha ideias e projetos terminam seus dias numa lata de lixo e é fato, de cada 10 experimentos que realizamos, apenas 1,2, 3 dão certo e a grande maioria errado. Profissão cativante e apaixonante, mas muitas vezes frustrante; para sobreviver precisa aprender a lidar com essa mistura intensa. E foi exatamente isso.... Entrega, busca pela perfeição e aprendizado diário de que o fracasso faz parte da jornada e que muito mais que minha derrota, ele é que vai me levar ao topo (o meu topo, porque minha competição é comigo mesma).
            Então.... Muito simples... Jamais desista de perseguir seus sonhos... Uma hora eles ganham forma e se tornam reais. E definitivamente, são eles que te manterão vivos....


Foto: Ezequiel Morales. Num dia de treino de natação em águas abertas na Praia de Itaipu, Niterói, RJ.

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